Visita ao CRAS

Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) presta serviço às famílias e aos indivíduos em situação de grave desproteção. Sempre localizado em regiões de maior vulnerabilidade, o CRAS atua junto à comunidade na construção de soluções para o enfrentamento dos problemas sociais, entre eles a exploração e o abuso sexual infantil


Recebemos a informação de que no CRAS haviam garotas assistidas vítimas de exploração. Não hesitamos em ligar para a Maria Auxiliadora, psicóloga responsável da unidade. Rapidamente agendamos uma entrevista. Alguns dias depois, passamos a acompanhar o seu trabalho.

Em nossa visita, percebemos que o órgão promove uma ambientação entre as mulheres e as famílias, deixando-as mais seguras. Acompanhamos as profissionais do CRAS durante a produção de uma rotina harmoniosa, de momentos de descontração e de fuga para as assistidas.

São características presentes em cada compartimento do local, arquitetada em forma de uma casa. Talvez essa escolha tenha sido proposital para que as pessoas se sintam mais acolhidas e protegidas. Logo de manhã, todas são recebidas com um sorriso no rosto, uma felicidade que também está presente nas paredes, por meio de quadros, animações, cores vivas e fortes.

Entre todas as assistidas, há uma vítima de exploração sexual. Foi para conhecê-la que fomos ao CRAS"

Começa com o café da manhã. Nesse momento, percebemos todas as mulheres em harmonia umas com as outras. Os assuntos são parecidos. Afinal, elas pertencem a mesma realidade, conhecem os desafios que as fizeram chegar até lá.

Todas são mães e algumas ainda vão se tornar. Quase todas carregam algum tipo de tatuagem, seja na pele ou no olhar. Uma maioria esmagadora de mulheres negras, mas isso não parece ser tão chocante para quem está lá todos os dias. É um fator tão comum entre elas, assim como as dificuldades que carregam.

No CRAS estão presentes mulheres que já sofreram com depressão, sem saber o que era. Mulheres que foram perseguidas. Tentaram se matar apertando sua própria garganta, acreditando ser um ato de coragem. Tiveram crises de medo: "eu sentia minhas mãos gelarem e estava calor". A maioria aprendeu a tomar conta de si mesma, muito cedo.

Maria Auxiliadora, Psicóloga do CRAS
Maria Auxiliadora, Psicóloga do CRAS

Possuem diferenças tão comuns entre si e um grau de conhecimento distante e divergente do nosso. Existe uma falta de instrução no meio delas. Isto nos foi perceptível nas conversas, depoimentos e palestras. Também existe uma vida carregada de experiências, na qual permitiu ter um tipo de instrução que só elas entendem.

Todas as terças-feiras elas se reúnem, tomam o café e assistem a palestra que algum visitante ou instituição oferece. Depois da palestra é possível escutar alguns depoimentos, acompanhados de choro e pedidos de ajuda.

Dependendo do palestrante, pode-se escutar críticas também. Elas carregam um tipo de experiência prática, repleta de medo e dificuldades. Revoltadas com o pior, que permeou boa parte de suas vidas, a crítica é a forma de dizer: "olha o que aconteceu comigo!".

As palestras visam conscientizá-las, ajudá-las, levar conhecimento e instrução para se empoderarem. Mas também servem para fortalecimento psicológico, para trazer algum tipo de conforto, aconchego e descontração, mesmo que seja uma vez na semana.

Palestra do Conselho Tutelar às mães assistidas pelo CRAS
Palestra do Conselho Tutelar às mães assistidas pelo CRAS

Com os depoimentos, acessamos um pouco de suas histórias. São pedidos de mães, jovens e ainda vulneráveis que não sabem o que fazer com seus filhos quando chegam tão tarde em casa. O medo de acontecer com eles o que aconteceu com elas é presente no olhar.

Escuta-se chamadas de atenção: "mãezinha olha pelo seu filho", "cuidado para não cometer o abandono de incapaz ou intelectual". Quando se trata de filho é tanta coisa para se atentar. Como fazer isso sem um manual de instrução?

Elas têm que cuidar deles, do marido, da família, do trabalho e da comida. E ainda encontrar uma forma de não deixar que aconteça algo de ruim com seus filhos. Quando chega nessa etapa, ela já está com o corpo desgastado e até esquece de si mesma.

Estão presentes mulheres que já sofreram com depressão, sem saber o que era depressão. Tentaram se matar apertando sua própria garganta, acreditando ser um ato de coragem. Tiveram crises de medo"

Ali tem mulheres que já fizeram de tudo um pouco, mas agora estão tentando ser mãe. Enfrentando casos de justiça, guarda do filho, medo, denuncias, perseguição e riscos. Tem mulheres com diferentes envolvimentos, desde droga e prostituição até suicídio. Mas estão no CRAS tentando tomar as rédeas da própria vida.

As palestras oferecidas percorrem tanto falas mais calmas de orientação, que as vezes parece um abraço, quanto falas de autoridade e liderança. Mas nenhum dos dois parecem surpreendê-las muito. A violência ordinária parece que desbotou seus ouvidos, de modo que não notam a discrepância de uma fala para a outra.

Elas acreditam que estão no CRAS para escutar e observar com seus olhares atentos. Mas os profissionais querem escutá-las, pedem por interação, fazem dinâmica. Elas não estão acostumadas com isso.

Durante a palestra é permitido interrupções, abertura para falas e divisão de experiências. Mas demora para elas ganharem essa confiança, principalmente com pessoas desconhecidas.

Nessas interrupções, também é possível dividir conselhos e informações entre as vítimas. Algumas falam: "conversa com tal pessoa, pode ser que te ajude". Este é o momento em que algumas não querem nem atender ao telefone em sala. Deixam tocar...

Entre todas as assistidas, há uma vítima de exploração sexual. Foi para conhecê-la que fomos ao CRAS. Em nossos delicados encontros, vimos que ela possui uma experiência com as drogas que muitas lá não tinham. Também foi vítima da operação Boneca de Pano I e agora é uma mãe, que não recebe ajuda do marido.

Ela não é de falar muito e interrompe a palestra só para passar informações de algum lugar ou nome. Em nenhum momento saía da sala, pois estava sempre com a atenção voltada para os palestrantes ou para as profissionais do CRAS.

No final da reunião, ela é atenciosa com as pessoas que conversam. Solista com todas, com a psicóloga, a pedagoga, os palestrantes, as amigas e nós, que estávamos ali tentando se aproximar, com o intuito de conhecer sua história.

Todas são mães e algumas ainda vão se tornar. Quase todas carregam algum tipo de tatuagem, seja na pele ou no olhar. Uma maioria esmagadora de mulheres negras, mas isso não parece ser tão chocante para quem está lá todos os dias"

Só que essa história ela parece ter superado, a ponto de não querer falar sobre o assunto. E realmente percebemos isso ao vermos o sorriso que carrega e a atenção que fornece. Ela agora está bem e foi mais discreta possível ao mostrar isso.

No término de cada reunião, as despedidas foram como as recepções: agradável e calorosa. Em todas, as trabalhadoras do CRAS pediam para voltarmos mais vezes, em todas saímos pensativos. O que iríamos fazer e qual seria o próximo passo.

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